quarta-feira, junho 03, 2009

Depois #2, por Daniel Monteiro.

Assim que pus minha irmã para dormir, resolvi sair para o sul para poder dar um adeus às minhas três pupilas. Ainda era cedo, o relógio de pêndulo, na descida da escada, ainda não marcava nove horas da noite. Era relativamente cedo, mas — felizmente — Bells estava cansada demais para poder chorar noite adentro.

A mãe dormia no colo do pai, ainda com lágrimas escorrendo pelo rosto. Ambos estavam no sofá da sala, virados para a mesinha de fotos. O pai ressonava, com a cabeça pendida para trás. A casa estava inteira adormecida. Passei por eles, dando um beijo na testa de cada um, despedi-me de Jacira, a governanta-babá e fechei meus olhos.

No instante que os abri estava no meu quarto, no apartamento da Av. Atlântica, em Balneário Camboriú. Ele estava como eu o deixara e também esperava pelo meu retorno. Havia um cheiro cítrico no ar e pude imaginar as meninas limpando-o, no dia anterior. Ouvi a televisão e caminhei para sala.

Ticia e Gabi olhavam a TV sem prestar atenção, com olhos vazios. Como me doía ver este olhar sem vida, sem brilhos, olhos inchados de choro. Olhos, esses, que já não tinham mais o que chorar. Aproximei-me delas e sentei-me aos seus pés e pude perceber um leve remexer e troca de olhares entre elas. Queria tanto conversar, havia tanto para se dizer, mas nada foi dito. Permanecemos nesse silêncio por horas e novas lágrimas brotaram no rosto delas. Sequei-as, com os dedos, em vão. Elas me sentiam ali e nosso silêncio bastou. Dei-lhes um beijo nas bochechas e saí.

Havia passado na frente da casa da Fê duas vezes, mas nunca entrei. Tive de me concentrar em dobro para chegar lá. Olhei a casa e entrei pela porta da frente, em um lugar que me era todo desconhecido. O quarto dela era o segundo, reconheci pelo perfume dela. Entrei.

O clima estava frio e triste e ouvi as quietas lágrimas que ela ainda chorava. Fê estava abraçada em um grosso travesseiro e transformava em rios as poças que iam se formando ali. Aproximei-me para um tchau silencioso, mas ela se virou, sentando-se na cama, e questionou "é você, não é?". Sentei-me ao lado dela e a abracei. Ela, abraçou-se. E choramos. Era o nosso reencontro e era a nossa despedida. Aquele dia, fiquei olhando-a dormir.

E fui embora, em paz.

2 comentários:

  1. 1. Quem escreve os textos como sendo ele?

    2. Me arrepiei de maneira inusitada. A sensibilidade dessa escrita tem um alcance que transcende essa tela, e passa a fazer morada na gente. Não sei explicar como. Não sei, não.

    Uma Jaya de olhar ensimesmado, sai daqui, hoje.

    ResponderExcluir
  2. Concordo com a Jaya. Texto muito tocante, e muito bonito.
    A historia toda é assim.

    ResponderExcluir

PROJETOS

@Way2themes

Follow Me