quinta-feira, julho 09, 2009

30 de junho de 2009;



Desde a última vez que apareci para uma conversa em noite de insônia pude ter a certeza que ela não mais me chamaria. Não quando estivesse doendo por dentro. Era visível, embora ela pensasse que não, a confusão que a habitava, a divisão que a atormentava. Por um lado, sentia-se aliviada por ter-me por perto, poder jogar as lamúrias para fora e respirar mais tranquilamente, por outro lado, ela sentia-se injusta por interromper meu sono eterno, incomodando-me com problemas que não são meus.

Sempre disse à ela, a moça-bonita, catarina sem sotaque, que era ridículo o modo como ela enxergava as coisas. Mas Fê é dona de uma teimosia irritante e é cansativo e desnecessário discutir com ela. Com todo respeito, diria que ela é sempre a dona da razão, tu concordando com aquilo, ou não. Então, da última vez que a vi, ela estava chorando, lamentando-se por problemas e, depois que cessaram as lágrimas, ela pôs seus olhos de mel nos meus e disse que nunca, jamais, iria me incomodar com chuva nos olhos de novo. E, pelo palpitar do coração, senti que ela falava sério.

Confesso que aquele dia saí triste de lá. Não entendo essa mania que as pessoas tem de não querer incomodar os falecidos, deixar que descansem. Eu não quero descansar. Eu não preciso descansar! Tenho a eternidade toda pela frente e alguns anos de convivência sobrenatural com as pessoas que amo, por que não aproveitar ao máximo? Sei que é um problema todos me verem, mas os que acreditam mesmo que estou, são capazes. Ilusão ou não, mas é possível um diálogo silencioso entre dois corações saudosos... Prometi à mim mesmo, então, que iria aparecer quando sentisse ser necessário ou quando me desse vontade. Sem chamados, pois saberia que não viriam.

Fiquei rodando e ouvindo o coração das pessoas. O dela, mesmo que a distância, estava acordado e senti um pavorzinho incômodo ali. Cheguei perto o suficiente só para dar a certeza que eu já tinha: ela estava chorando e estava acordada, pois vinha luz debaixo da porta. Tentei não assustá-la ao entrar simplesmente e resolvi bater na porta. Um silêncio tomou conta do ar, deixando-o mais frio do que estava. A luz apagou. O coração gritou. E não ouvi mais nada.

Sem abrir a porta, entrei para o quarto e me choquei com o que vi. Ela estava escondida, em posição fetal, embaixo das cobertas. Impulsivamente, comecei a rir. Era cômico toda a situação: ela, com vinte e dois anos bem vividos, escondendo-se embaixo das cobertas como uma criança! Foi inevitável o riso. Assim que me ouviu, ela pôs a cabeça para fora da coberta, corando. Falei:

— Acha mesmo que essas cobertas irão lhe servir de alguma coisa, mocinha? Poderia jurar que não fazias mais isso...

Ela sorriu, sem graça. Fazia tempo que não a via assim, corada, sem jeito. Uma cara típica de Fê. Sentando-se na cama e abraçando os joelhos, ela encarou-me outra vez e recriminou minha atitude atípica e completamente desnecessária de bater à porta. Como se um fantasminha camarada precisasse realmente disso. Sorri. Era fácil estar com ela. Os sorrisos corriam frouxo, sem pressão. Natural.

Rimos do caso por alguns poucos minutos e ri dela, por ter medo de fantasmas. Era notório, em sua feição despreocupada, que ela tinha mesmo medo de fantasmas, mas que isso não se aplicava à mim. Juro que nunca irei entender plenamente o ser humano... Deixei a brincadeira de lado e perguntei por que ouvi suas lágrimas, esperando por uma longa madrugada, aflita. Os problemas dela me atingiam diretamente, as dores, os medos. Enfim. Mas surpreendi-me, outra vez. Quantas vezes mais um fantasma pode se surpreender?

Ela tinha me olhado tímida, sem graça e - outra vez - corando. Assentiu que chorava, mas lançou um olhar de esguelha ao livro que lia: Amanhecer. Então ela estava chorando por um livro? É... Bem típico de Fê. Sorri. Trouxa que era, nunca imaginei essas lágrimas bobas. Por felicidade, por medo, por raiva... por livro. Lágrima pra mim vinha de coração aflitivo, e não sensitivo. Mas isso era tão ela que senti certo desapontamento por não ter pensado naquilo.

Foi bom. Poder conversar naturalmente, como antes. Ver o rosto quente, as estrelas que brilhavam nos olhos enquanto ela falava de um amor verde-mar, quando ela contou de seu personagem favorito no livro, quando ela contou porque estava chorando, com lágrimas nos olhos, outra vez. E, como o sentimento dela é meu também, senti tudo. Era bonito. Puro. Inocente. É, lágrimas inocentes...

Os olhos demoravam-se mais para abrir a medida que piscavam. Soprei uma cantiga e esperei que ela dormisse, mesmo falando. Ela sussurrava no vento palavras doces, paixões, amores. E adormeceu.

Saí, na ponta dos pés, para não acordar a moça que dormia.

• o dela, aqui.

5 comentários:

  1. E aqela garota era simples, facil de se entender, de sentir, de gostar, de amar .
    Ela era verdadeira, seus sentimentos eram reais
    So nao entendi pq o fantasma, o sobre a morte ..
    Desejo ? Vontade disso mesmo aconteçer ?
    Acredite de todo coração ..
    Seus sonhos podem se concretizar

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  2. Amigo. Em todas as horas mesmo. E deve ter sido bem assim, como o Dan falou...

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  3. Deve ter sido muito especial...Muito bem escrito o texto...Faça-me uma visita para me ler...Talvez goste, abraço.

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  4. Não sei porque, mas não canso de ler esse texto... sempre!!
    Coisa de quem lê livros pela madrugada e ao primeiro barulho se esconde, pois sabe estar fazendo algo "errado".(eufaçoisso!)
    Lindo, lindo, lindo!!

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  5. nossa... é incrível a forma que você escreve, é tão real, é como se ele, o anjo que ele se tornou, estivesse escrevendo mesmo.
    Gostaria tanto de poder tornar um pouco real sentir,as pessoas que eu já perdi na vida...
    gostaria de assim como você, poder senti-las, ouvi-las dialogar com elas...

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